quarta-feira, 22 de julho de 2009

O que isto: a família?
Rev. José Rômulo de Magalhaes Filho

Há algum tempo que estou para escrever um texto sobre o que é a família. Sei que tem muita coisa escrita. Coisas boas e coisas nem tão boa assim. Não pretendo ser última palavra, apenas quero contribuir com algumas reflexões. E espero poder contribuir com esta temática cada vez mais atual.

Neste pequeno texto vou deixar de lado um pouco do academicismo, que é tão marcante nos textos de professores universitários que vivem em busca de publicar. Vou seguir um estilo próprio, deixando as idéias fluírem, e buscando construir com vocês uma idéia própria de família. Não que venha a ser original, pois as idéias aqui apresentadas, são com toda a certeza, fruto de leitura e reflexão de textos de outros autores. Uns mais conhecidos outros nem tanto. Mas toda construção parte de material á existente, e é isso que pretendo apresentar aqui.

Quero iniciar pensando no que se tem feito com a família. Ela já foi sagrada, já foi leiga, já foi maldita, já foi à salvação da sociedade, já foi à miséria da sociedade, e agora o que de fato é? Daí o título deste ensaio: o que é isto: a família? Quando me refiro a “isto”, estou falando de algo bem próximo a mim e a você. Estou falando de algo que diz respeito a todos nós: A FAMÍLIA.
A sociedade ocidental, de matriz cristã, tem como modelo a família de Jesus, a chamada de sagrada família. Um modelo familiar bastante divulgado, e tido como o ideal: pai, mãe e filho. Tão influenciador, que as fotografias familiares, com base nas imagens da sagrada família sempre mostram os pais sentados juntos, arrodeados de seus filhos. É a figura mais comum, tanto que falamos de modelo familiar. E modelo é para ser seguido, copiado. Aí entro com a primeira reflexão sobre modelo familiar. Será que a sagrada família pode ser considerada com modelo pelos nossos padrões cristãos? Vejamos.

Maria mãe de Jesus casou grávida. José tentou fugir para não desmoralizar sua esposa . Jesus quando criança fugiu seus pais para ficar no templo de Jerusalém, desobedecendo a uma ordem familiar . Pois bem esse é o modelo familiar que inspira a sociedade cristã a pelo menos 20 séculos. E se formos para outros exemplos de família na Bíblia, vamos perceber que não há um modelo específico a seguir. Muitas vezes queremos construir paradigmas para facilitar nossas cobranças e imputações de regras, para controle social. Neste modelo cristão desenvolvido pela sociedade ocidental, família é a reunião de um homem e uma mulher, que tem como função social (e espiritual) gerar filhos. E os filhos devem obedecer a seus pais como exemplo a ser seguido.

Se este fosse o modelo realmente a ser seguido, pais cristãos nunca deveriam expulsar suas filhas grávidas de casa, nem rapazes abandonarem suas namoradas grávidas pelo caminho. Então o que é isto: a família?

De Sagrada, a família passou a ser leiga. Isto é, ela secularizou-se. Passou a ser percebida não como um símbolo religioso, mas como um núcleo social de onde se estabelece a primeira regra para a vida social. Segundo Rousseau é a única sociedade que não escraviza, pois a dependência é natural, porém não por muito tempo, pois quando o jovem resolve ficar em casa submetendo-se as normas de convivência, deixa de ser livre, e aí no dizer de Rousseau, é por conveniência, e não liberdade. A família neste momento passa a ser espaço de regras. O que faz o homem deixar de ser livre.

A sociedade capitalista percebeu a família como instrumento de divulgação de suas regras e o primeiro espaço de construção de indivíduos consumistas. Assim investiu com todas as suas forças na formação de uma sociedade familiar. Regras de convivência, regras de consumo, regras de comportamento, etc. É a sociedade que passa cumprir regras gerais, e esta família (chamada por alguns de nuclear) passa e ser o grande modelo a ser seguido. Obediente, consumista e sorridente. Juntos no Natal, no dia de ação de graças, nas celebrações cívicas, diante da televisão. Sempre junta e feliz, como disse Zeca Baleiro: “Já tenho um filho e um cachorro, Me sinto como num comercial de margarina, Sou mais feliz do que os felizes, Sob as marquises me protejo do temporal”.

É uma reedição do modelo aristotélico , onde a família é o primeiro nível de sociedade, o espaço onde se aprende a ser membro da polis (político, cidadão), mas não é o espaço em que este homem vai se desenvolver completamente é apenas o primeiro nível. Só na polis o ser humano poderá viver completamente a sua felicidade. Família é assim o espaço de formação moral e cívica da sociedade. É nela que se prepara verdadeiros cidadãos (ou políticos, para manter a linguagem aristotélica). Este modelo foi assumido pela sociedade capitalista, e referendado pelo cristianismo. A família e a célula mater da sociedade. Já ouviu isso? Com certeza. Na escola, na igreja em algum programa de televisão.

Daí em diante a família foi execrada. Todos os males sociais são fruto da vida familiar: traumas psicológicos, famílias “desajustadas”, “desestruturadas” (como eu tenho bronca destas expressões). Se há aumento do consumo de drogas, da violência, de gravidez na adolescência, a culpa passou a ser da família, que não foi suficientemente capaz de orientar seus filhos. Então a sociedade percebeu que quanto mais se separa e se casa mais se consome. Quanto mais filhos se têm com parceiras (os) diferentes, mais se gasta (advogados, terapias, viagens etc). De santa a maldita, foi como um raio que ao cair deixa suas marcas.

E então, o que é isto: a família? Depois de execrada, o próprio Estado passa a valorizar a família. São programas espaciais para a família: PSF (Programa de Saúde da Família), PAIF (Programa de Atenção Integral a Família), etc. Percebe-se a família como célula mater, porém integrando-a com o poder central e soberano do Estado. Mas o que é a família mesmo?

Penso que família é muito mais do que a associação de pessoas. Penso que família é muito mais do que laços sanguíneos e de parentesco. Penso que a família não é a salvadora da sociedade, nem muito menos a raiz de todos os seus males.

Acredito na responsabilidade que a sociedade (organizações sociais) tem de preservar a família, mas também na responsabilidade de indivíduos de viverem em família na perspectiva de sair-de-si-mesmo em encontro com o outro.

Assim trago três conceitos de família que me chamam à atenção. Um conceito vem da justiça, e está no texto da Lei nº 11.340, de 2006), no seu art. 5o, II (a LEI MARIA DA PENHA), e afirma que a família deve ser "compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa".

Já o conceito religioso diz que a “família constitui uma dimensão fundamental da sociedade. A família – hoje é necessário precisá-lo – é entendida como união entre um homem e uma mulher, necessariamente referida à geração dos filhos e publicamente reconhecida pelo contrato matrimonial. (Angelo Scola, 2003, p.211).
Para os institutos oficiais de pesquisa família é o grupo domiciliar. Assim, nos censos demográficos e outras pesquisas domiciliares (tipo PNAD), o alcance máximo de uma família vai até os limites físicos da moradia. Uma mesma família (definida pelos laços de parentesco e de ajuda mútua) que ocupe dois domicílios é contabilizada como duas famílias.
O Estado continua pensando suas políticas Públicas, a partir de um modelo nuclear moderno. E este olhar impede a sociedade como um todo perceber novos arranjos conjugais. Novos arranjos familiares.

É aí que penso em um conceito de família que abrange os conceitos acima, e nos leva a pensar família como um arranjo social, que se adapta as realidades de cada época. Aquela fotografia, baseada na Sagrada Família, mudou. Na foto não só existe o pai a Mãe e os filhos. Há uma mulher que não é mãe de um dos filhos do Pai. Que na verdade não é o pai de duas das filhas da Mãe, mas é o pai de uma criança linda que tem como Mãe a mesma das duas filhas. Confuso? É o novo retrato de família. Sem modelo, apenas um arranjo. Um agrupamento social que tem côo papel educar, transmitir valores, crenças, normas, construir sonhos, patrimônios,
Assim família é “uma associação de pessoas que escolhe conviver por razões afetivas e assume um compromisso de cuidado mútuo e, se houver, com crianças, adolescentes e adultos (Szymanski). Penso na família nesta perspectiva, a do vínculo afetivo, do cuidado mútuo. O que trás para o núcleo familiar a responsabilidade de cada um dos seus membros sair-de-si-mesmo em encontro com o outro.

E neste caso as configurações familiares não seguem um modelo. Não há família melhor ou pior. Estruturada ou desestruturada. Faça um exercício. Pense na sua família. Construa uma árvore genealógica: pais, irmãos, avós, tios, primos, genros, noras, sogro, sogra etc. Perceba como sua família extrapola sua unidade doméstica. Perceba que em algum “galho” desta árvore há algo que foge um padrão estabelecido. Veja a “estrutura” da sua família. Confesse, ela não é tão “certinha” assim. E você está aí. Criando seus filhos, na igreja, cidadão participante da vida social. Sabe por quê? Porque cuidaram de você, e lhe deram afeto. Isso chama-se vida familiar.
Não existe uma família ideal ou um modelo pré-determinado de família, existem famílias reais. Independente de sua configuração, a família continua sendo a instituição social responsável pelos cuidados, proteção, afeto e educação das crianças pequenas, ou seja, é o primeiro e importante canal de iniciação dos afetos, da socialização, das relações de aprendizagem.
Na família deve haver solidariedade, integração, afetividade, parceria, construção coletiva, regulação sexual, reprodução, respeito, proteção, ensino, aprendizagem, dedicação ao grupo etc. A família é o lugar em que o ser humano melhor se expressa como Ser. Na família há relação. E o homem e a mulher são seres de relação. Seres para verem vínculos afetivos e se cuidares mutuamente.

Isto é família.

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